"...Tempo, tempo tempo... Já não me assustas mais. Acho que me acostumei com sua passagem. Cedi ao fato de que és livre, e que tens pressa.
Mas vez ou outra ainda te enrolo, e te faço parar por um instante. Te faço demorar um pouco enquanto eu olho nos olhos de quem amo. Enquanto eu gravo os momentos na memória,esperando a saudade chegar.
És livre, tens pressa, mas ainda guardo um pedacinho de ti, quando passas por mim. Te guardo quando percebo que não te tenho, e que daqui a pouco, me vou junto contigo
."

segunda-feira, 17 de maio de 2021

365 olhares no reflexo

 O universo de uma casa com quintal: Tudo cabia. A agência de espionagem, o consultório médico e todos os seres contra quem lutar com feitiços escritos em latim no livro de frutas medicinais.
O universo de uma gaveta do guarda roupas: mil papéis. Confissões, promessas, declarações de amor. A paixão da 4ª série que certamente duraria até o último dos dias.
As idas pra escola animadamente às 7 da manhã: múltiplos amigos. A maior de todas as dificuldades da vida seria deixar os portões que atravessei por tanto tempo. 

Crescer é deixar pra trás. O reflexo no espelho é nítido, sem as névoas das fantasias da infância. Sem faz de conta, sem o sonho de ser vocalista de um grupo de dança. Só você e quem se tornou e as escolhas que escolheu. Resta a responsabilidade. Os planos concretos, a ajuda aos pais e o apoio da pequena rede amigos. 

Sem brilhantismo, sem provas fáceis. O extraordinário se torna comum. Aquela música que seria a sua pra sempre passou. Passaram as grandes paixões inabaláveis e aquela amizade inquebrável se mudou pra outra cidade e perdeu-se o contato. 

Pisquei e mais um ano passou, na velocidade da luz. 365 dias desde a última reunião em família na mesa e as mensagens de parabenização. A cada novo ciclo, alguns grãos... se perdem alguns poemas, os papéis vão pra uma caixa. As músicas são esquecidas e casa com quintal ganha muros. 

A lei apesar de não intuitiva, é clara: quanto mais perto do fim menos sobra o que sentir falta. Minha dor de nostalgia era incessante ao deixar os primeiros portões, e agora são tantas as malas arrumadas que já não oferecem mais resistência, o zíper e eu. 

Sendo pixel parte desse desenho, guardo a noção de que, de longe, a vista é bonita. Sigo os traços no papel e na tela, a cada passo que é pintado, sabendo que algo de sólido se constrói. Cores e formas de uma arte que espero apreciar quando não houver nada mais que o passado.